Agora está amanhecendo e a aurora é de neblina branca nas areias da praia. Tudo é meu, então. Mal toco em alimentos, não quero me despertar para além do despertar do dia. Vou crescendo com o dia que ao crescer me mata certa vaga esperança e me obriga a olhar cara a cara o duro sol. A ventania sopra e desarruma os meus papéis. Ouço esse vento de gritos, estertor de pássaro aberto em oblíquo vôo. E eu aqui me obrigo à severidade de uma linguagem tensa, obrigo-me à nudez de um esqueleto branco que está livre de humores. Mas o esqueleto é livre de vida e enquanto vivo me estremeço toda. Não conseguirei a nudez final. E ainda não a quero, ao que parece.
Esta é a vida vista pela vida. Posso não ter sentido mas é a mesma falta de sentido que tem a veia que pulsa.
(Clarice Lispector)
Ler Clarice é sempre um encontro comigo mesma... Acho que ela conseguiu escrever sobre a existência como ninguém. Costumo dizer que ler Clarice é um orgasmo literário. Caramba! Suas palavras me fazem, instintivamente, fechar os olhos de tanto prazer! Se doar completamente é o que ela deixa transparecer como verdade de vida. Experimentar linguagens e palavras pra descrever a vida, que é sempre tão diversa... Ela descreve o ser humano! Como pode? Esse ser tão complexo descrito na linguagem da palavra! Sou eu e sou Clarice! Sou humana, e por isso sou muitas coisas numa só. Assim como o que ela escreve é tudo de vivo!